Como já sabemos, a pandemia mudou o mundo como conhecíamos e nossas relações de trabalho não foram exceção. Inicialmente fomos forçados a fazer adaptações abruptas para o home office, das quais algumas empresas ainda não se acostumaram e outras já dominaram. Porém não foi só o local de trabalho que mudou, o funcionário mudou também. Questões como produtividade sustentável e saúde mental no trabalho nunca estiveram tão em evidência como agora.
Temos que ter muito cuidado para não sermos hipócritas ou insensíveis ao falarmos dos reflexos da pandemia nas relações de trabalho. Sempre importante falar o óbvio, funcionários são pessoas e a pandemia foi um evento extremamente traumático para muitos. É necessário tratar todas essas questões com humanidade e respeito aos sentimentos alheios.
Nos EUA já está ocorrendo o que foi batizado de “The Great Resignation” (“A Grande Renúncia” em tradução livre), resumidamente, os funcionários estão pedindo demissão de seus empregos que não trazem satisfação pessoal. Isso não é um acontecimento isolado nos EUA, eventos parecidos já estão sendo acompanhados em outras países, incluindo o Brasil.
A ansiedade e burnout são distúrbios relacionados ao trabalho que só crescem, são um problema cada vez mais perceptível na vida dos funcionários. Esse é um dos indicativos de que as pessoas precisam mudar e também já estão mudando seu comportamento profissional. A romantização do trabalho excessivo já caiu por terra, devemos desfazer a ideia de que o funcionário precisa se desdobrar para atender a todos os interesses impostos pela empresa. As pessoas estão priorizando a vida pessoal em relação a profissional, as rotinas de trabalho precisam ser definidas de forma confortável aos seus outros interesses.
O mercado de trabalho está se voltando para a produtividade sustentável, na qual o colaborador continua com sua rotina de serviço, mas de forma que respeite suas individualidades e não agrida sua saúde mental. A sustentabilidade emocional também está em alta, o funcionário produz de forma que não exceda suas capacidades ou necessidades físicas e emocionais. Basicamente, está se buscando o equilíbrio nas relações profissionais, sociais e individuais.
Os funcionários que se adaptaram ao home office já puderam sentir essa mudança. Mesmo que para muitos tenha chegado de surpresa, esse modelo de trabalho permite que o colaborador siga sua rotina, porém em um local mais confortável, sem necessidade de pegar trânsito, próximo de família e animais de estimação. Isso para aqueles que tiveram seus horários de trabalho respeitados, pois o funcionário estar em casa não deve significar disponibilidade 24 horas por dia.
Uma coisa é certa, as pessoas estão repensando e mudando a forma que trabalham. Os funcionários já conhecem o melhor modelo de trabalho para si e nessa escolha levaram em consideração a sua saúde mental. É importante para o funcionário estar em um emprego que valorize a produtividade sustentável e o equilíbrio.
Para as empresas, isso tudo significa uma coisa: está na hora de adequar seus processos de forma que valorize a saúde mental e os interesses dos funcionários.
A primeira coisa que as empresas precisam entender é que ambientes de trabalho confortáveis, que valorizem a saúde mental do funcionário e que são mais adaptados aos seus interesses não significam diminuição da produtividade. O contrário é verdadeiro, todas essas ações resultam na produtividade sustentável, os funcionários ficam mais motivados em ambientes que os valorizem como indivíduos.
Priorizar a saúde mental e o conforto do funcionário tem vantagens para o funcionário, mas também para a empresa. O colaborador que se sente valorizado trabalha de forma mais entusiasmada e consegue se alinhar aos interesses da empresa, de forma que toda sua produção será motivada pelos ideais presentes na filosofia da companhia. Basicamente, a produção contínua com ainda mais qualidade.
Para que tudo isso ocorra são necessárias ações que alinhem o planejamento estratégico da empresa com a sustentabilidade emocional de funcionários, gestores e chefia. O bem-estar físico e mental dos funcionários não é uma questão de contingência para “casos isolados”, mas sim de prevenção. A produção da empresa deve ser guiada pela produtividade sustentável para que tenha sucesso.
Na prática, o profissional de RH precisa procurar conhecer alguns conceitos da psicologia organizacional e aplicá-los, consultorias externas também são bem-vindas. Mas para adequar sua empresa, o primeiro passo é entender como estão seus funcionários. Podem ser aplicadas pesquisas de clima organizacional para isso. Se deve buscar entender como o funcionário se sente confortável para trabalhar, se ele está adaptado ao home office e como se sente para retornar ao trabalho presencial.
Após entender como está a empresa, começam as ações internas. Conversas com gestores, alinhamento de plano estratégico, organização dos espaços da sede da empresa, tudo que tenha impacto no dia a dia do funcionário deve ser revisado. É necessário planejamento e conceções de todos os lados da empresa para criar um ambiente de produtividade sustentável. Não é sobre fazer todas as vontades dos funcionários, é sobre fazer adequações para melhorar o clima organizacional e conquistar uma forma de trabalho melhor na empresa.
No último ano, passamos por momentos difíceis e agora com o avanço da vacinação conseguimos enxergar um futuro pós-covid. Após tudo que passamos, a saúde mental virou um item de extrema atenção e que é determinante nas relações de trabalho. Não são apenas os funcionários que devem se preparar para o retorno presencial, as empresas devem se preparar para essa nova fase do mercado. A produtividade sustentável é a nova forma de produção, é o modelo a ser seguido. Ambientes saudáveis de trabalho vão valorizar a empresa e seus funcionários.
“Diante do cenário atual, podemos concluir que aquela frase clichê “equilibrar vida pessoal com vida profissional”, caiu por terra. A vida é uma só e deve ser equilibrada nos diversos papéis que desempenhamos. Os holofotes se voltaram ao ser humano através desse convite reflexivo que fez com que todos parassem e tivessem a oportunidade de olhar para si, de olhar para o outro em maior profundidade. E pensando nesse olhar humanizado e singular, ou seja, olhar para cada ser humano como único e complexo é que oportunizou as organizações inovarem no que tange as relações humanas no trabalho de maneira personalizada com feedbacks ainda mais acolhedores não apenas para o colaborador, e sim, para com toda sua família. Elevar nosso nível atencional aos sinais e padrões de comportamentos que os colaboradores possam apresentar, é de fundamental importância pois não ter doença mental não é sinônimo de saúde emocional. É necessário acolher, não julgar, ouvir, olhar, respeitar e demonstrar interesse genuíno pelo outro, são atitudes que promovem uma boa saúde emocional. Sentimentos empáticos transbordam pelas dependências das empresas, pois nunca a preocupação com bem-estar físico, emocional e psicológico esteve tão em pauta. Para mantermos vidas equilibradas, destaca-se a segurança psicológica dos colaboradores como uma estratégia de sobrevivência para garantirmos a qualidade de vida e conquistarmos resultados satisfatórios enquanto seres humanos, enquanto organizações.”
Kelly Mattos - Psicóloga Organizacional